16.5.08
A GREVE DE 78
Almir Pazzianotto Pinto
A primeira greve dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo completou, no dia 12, trinta anos. Para entendê-la é obrigatório, porém, rememorar a situação do movimento sindical brasileiro na década de 1970, como resultado da devastação de lideranças provocada pelo Comando Supremo da revolução vitoriosa em 31 de março de 1964.
O sindicalismo reivindicante desapareceu, para sobreviverem notórios pelegos, vários nomeados interventores das entidades cujos dirigentes haviam sido cassados, estavam detidos ou na clandestinidade.
Breve tentativa de ressurgimento deu-se em 68, com as greves de Contagem e Osasco. A primeira cessou com a mediação do Ministro Jarbas Passarinho; o mesmo, porém, não se deu com a segunda, que resistiu e teve as lideranças duramente retaliadas pelos militares.
O Sindicato de São Bernardo foi fundado em dezembro de 59 e, em 64, sofreu a primeira intervenção, tendo a diretoria "perseguida, presa e exilada", conforme registra o livro "Imagens da Luta – 1905-1985", editado em 87.
A devolução da entidade aos trabalhadores ocorreu em 65, com a eleição de novos dirigentes. De imediato o Sindicato entrou em atrito com a política salarial e voltou a combater o peleguismo submisso ao governo.
Em 7 de setembro de 74 realizou-se o I Congresso dos Metalúrgicos, quando foi aprovada a Declaração de São Bernardo, documento que passou a indicar os rumos políticos da entidade.
Entre 74 e 78 o Sindicato mobilizou trabalhadores, mas sem cogitar de greve. Discordando dos acordos anuais entre as entidades de cúpula, lutava pelo direito de negociar livremente salários com as rendosas indústrias automotivas da sua base.
A greve de maio de 78 surgiu na Scânia, fruto de combustão espontânea, ajudada por fagulha deflagrada pelo operário Gilson Menezes, futuro prefeito de Diadema, pelo PT. O movimento surpreendeu e gerou certo grau de medo, pois não se conseguia prever a reação do Ministério do Trabalho e da polícia.
Subestimada pela FIESP e sindicatos patronais, a greve rapidamente avançou. Escreveu Gilson no livreto "Uma história de coerência e lutas", que não se pronunciava a palavra greve: "falar a palavra greve assustava. Mas o clima continuava, aquele clima pesado".
Incapaz de pensar em solução negociada, a empresa recorreu à terapia de sempre: pediu ajuda à DRT e à Secretaria de Segurança, que enviou agentes do DOPS.
A ampliação do movimento para outras fábricas induziu a FIESP a ingressar com dissídio coletivo no TRT de São Paulo, o qual, em sessão de 18 de maio, decidiu pela ilegalidade por 15 votos contra 1, e decretou o retorno ao serviço.
Pelo ineditismo do acontecimento, no dia seguinte os jornais, deram ampla cobertura ao julgamento. O "Diário de São Paulo" dedicou-lhe uma página. O mesmo fizeram a "Folha" e "Jornal da Tarde". O jornalista Marco Antonio Rocha escreveu com admirável intuição: "Respeito, senhores: isto é democracia. Vamos iniciar este comentário tentando retificar uma intimidade equivocada. Chamaremos o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo de senhor Luiz Inácio da Silva".
Em desafio ao Judiciário e ao Governo, não houve volta ao serviço. O movimento mais se inflamou, embora sem a solidariedade de outros sindicatos.
Impotentes para vencerem pela força, as empresas reabriram negociações, as quais prosseguiram até a madrugada de 31 de maio, quando foi assinada a primeira Convenção Coletiva entre o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e o Sindicato Nacional da Indústria Automobilística. O documento quebrava a rigidez da política de arrocho e concedia dois aumentos de 5,5%: o primeiro em junho, e o segundo em outubro, calculados sobre os salários reajustados na data-base, 1º de abril.
Decorridos 30 anos, qual a realidade sindical? Sobrevivem o modelo corporativo-fascista, a estrutura verticalizada e o sindicato único por categoria. A velha "Carta de Reconhecimento", foi substituída pelo Registro no Ministério do Trabalho. Dirigentes inoperantes eternizam-se à frente de entidades inexpressivas, mantidas por contribuições coercitivas, pagas pela maioria não associada, sem prestar contas do dinheiro.
Em resumo: a passagem do autoritarismo para a democracia, sacramentada pela Constituição cidadã, frustrou os ideais de liberdade sindical anunciados em 78.
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Almir Pazzianotto Pinto é ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do TST.
Almir Pazzianotto Pinto é ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do TST.
Foi advogado dos metalúrgicos de São Bernardo na greve de 78.